Nos mais diversos filmes de vampiros podemos observar a
marquinha peculiar que fica no pescoço daquele que é atacado por um discípulo
do Conde Drácula – uma mordida nada humana, diga-se de passagem. E aí vem a
pergunta: “Será que existe a possibilidade de saber quem deixou aquela marca a
partir da análise dos elementos dentários?”.
Bem
amigos, a ciência não traz estudos sobre vampiros, mas o que eu posso lhe dizer
é que existe a possibilidade de se realizar uma análise da mordedura deixada
por humanos ou por animais, seja esta produzida na pele de uma pessoa viva,
morta (isso mesmo, no cadáver) ou objetos inanimados de consistência
relativamente mole. No caso dos humanos, a mordedura é a impressão que pode ser
deixada não só pelos dentes, mas também por próteses, aparelhos ortodônticos,
etc).
O que a literatura nos traz sobre essa análise nos diz
que é possível realizar o estudo das mordeduras porque os elementos dentários
possuem características individualizadoras incontroversas. Como exemplo de
características temos o tamanho, forma, posição na arcada, características
individualizadoras como apinhamento, ausência de elementos ou até mesmo a
presença de elementos extranumerários, uso de aparelho ortodôntico, próteses,
desgastes ou quaisquer outras características.
Antes de adentrar na parte técnica da coisa, preciso
falar que, diante de uma marca de mordida, antes de mais nada, se faz necessária
uma inspeção visual para distinguir se aquela lesão foi produzida por um animal
ou por um humano. E isso é possível porque existem características que diferem
a mordedura humana daquela produzida por um animal.
Agora vou listar aqui algumas das características que são
produzidas pela mordida humana pra você conseguir entender um pouco a diferença
entre elas no final. Primeiramente, o formato da marca da mordida humana tende
a ser circular / elíptica – arco superior + arco inferior. Para a análise dos
demais pontos, tenta imaginar a descrição de fora para dentro, ok? Se tratando
da pele humana, no ato de morder, quando um ser humano apreende a superfície
com os dentes, os lábios também exercem certa pressão tecidual, provocando uma
equimose difusa ao redor daquelas deixadas pelos dentes (como se fosse uma
delimitação da mordedura, coisa que não acontece no caso dos animais). Os
elementos anteriores – incisivos e caninos - tendem a deixar marcas de
escoriações ou até mesmo lesões cortocontusas, a depender da força exercida
pelo agente. Outro ponto é a equimose de
sucção – Sugilação – provocada pela pressão negativa (o famoso vácuo) produzida
pelo agente ou pela ação contundente da própria língua.
Quando a lesão é provocada por um animal, geralmente
tem-se laceração do tecido, isso porque o animal tende a abocanhar a vítima e
chacoalhar a cabeça ferozmente. Além disso, a lesão tem um formato de “V” – o
que coincide com o formato da arcada dos animais - não existe a tal equimose de sucção, as
lesões são mais profundas – perfurocontusas, nos termos técnicos - (tem um
aspecto de furo mesmo) devido à anatomia dos elementos dentários, sobretudo
à dos caninos, e outro ponto a ser observado é o espaçamento (diastema) que há
entre um dente e outro.
Do ponto de vista forense, a identificação dessas marcas
permite elencar alguns pontos importantes como a violência da agressão; nos
casos onde há mais de uma mordedura é possível analisar a procedência e a
sequência na produção dessas lesões; verificar se a produção foi feita ainda em
vida ou após a morte do indivíduo; e até mesmo a data aproximada em que a marca
foi produzida observando o tempo transcorrido da marca até o momento do exame
pericial.
O ponta pé inicial da análise é examinar a lesão. Como
falei no início, verificar se foi provocada por animal ou por humano, verificar
a quantidade, observar a reação vital para determinar se foi provocada em vida
ou não, etc.
O segundo passo é o registro fotográfico, pois é a melhor
forma de documentar, tendo em vista que observar não é registrar, e depois não
tem com recorrer novamente à imagem da lesão. Para a fotografia é importante
manter o paralelismo entre a câmera e a marca para evitar distorções, utilizar
uma escala ou régua milimetrada (observem na imagem o exemplo de uma régua
comumente utilizada da American Board of
Forensic Odontology – ABFO), realizar tomadas na luz natura, com flash,
preto e branco, e se possível, de acordo com a literatura, com filme
infravermelho. Recomenda-se também fazer os registros em dias sucessivos, entre
o 3ª e 5ª dia, pois a medida em que a equimose vai desaparecendo, fica mais
fácil de observar o formato do arco.
E o terceiro ponto é a coleta de saliva. Isso nos traz um
ponto importante para refletirmos aqui. Estudos apontam que 65% das vítimas de
agressão por mordida são do sexo feminino e 35% do sexo masculino. Além disso,
as pesquisas revelam a relação entre essas lesões e agressão sexual. Nesse
contexto, nem sempre é possível realizar a coleta de saliva porque a tendência
da vítima é se lavar, se limpar, retirando todo o material biológico do
agressor da sua pele (lembrando que o ato de morder também pode ser uma
forma de defesa da própria vítima contra seu agressor). Porém, quando
possível, a coleta é feita com o auxílio de 2 swabs (uma espécie
maior de cotonete). Um swab umedecido com água destilada é passado
em toda a região da lesão e depois deixa-se que ele seque ao ar. O segundo swab
é passado na mesma região onde foi passado o primeiro. Ambos são acondicionados
em envelopes de papel, enviados ao laboratório juntamente com a amostra de
sangue da vítima.
E
pra que serve a saliva?
Com
a saliva podemos obter pistas que nos levem ao suposto agressor. Dá pra se obter
o grupo sanguíneo, identificar o DNA e também pesquisar uma enzima que existe
na nossa saliva chamada Amilase, pra se tirar a “prova dos 9” caso exista
dúvida se aquilo é mesmo uma mordida ou não.
Outra
coisa que pode ser feita é a moldagem da mordida para que seja feito o
confronto com a arcada do suspeito. Essa moldagem é feita com materiais de alta
precisão, e dá pra fazer no vivo, em objetos e no cadáver. No caso do suspeito,
precisa-se coletar algumas amostras como o registro da mordida em cera, coleta
da saliva e de células da mucosa, moldagem dos arcos superior e inferior e a
coleta de sangue. Por fim vem a comparação da marca que foi deixada na vítima
com as moldagens que foram obtidas do suspeito.
As
análises das mordeduras são morfológica e métrica. Verifica-se a forma da
lesão, medidas da largura e comprimento de cada dente, distância entre os
elementos, tamanho geral do arco. Ah, o perito, quando capacitado, pode sim
utilizar softwares para auxiliar na análise métrica.
Lembrando
que nem tudo é um mar de rosas, né? Existem algumas problemáticas no campo do
estudo das mordeduras. Primeiro que as marcas podem passar desapercebidas no
exame perinecroscópico (pasmem). Segundo que a pele não é lá essas
coisas pra poder conservar uma marca, muito menos pra coletá-las. Enfim, os
peritos que...LUTEM!
TODO
CUIDADO É POUCO! Desde a análise morfológica. Os vestígios são fáceis de se
perder. Outro quesito importantíssimo é a emissão de um laudo pericial. Porque,
pensa comigo, um juiz, com aquele laudo na mão, vai atribuir juízo de valor!
Alguma pessoa pode ser incriminada por algo que não fez ou inocentada por algo
que cometeu. Entende a gravidade da coisa?
Indo
pra o final do nosso tema, resolvi trazer uma problemática. A literatura diz
ser impossível o fato de que dois indivíduos tenham dentaduras idênticas. Outras
pesquisas trazem dúvida sobre o requisito biológico da unicidade da arcada
dentária humana (se você não se lembra dos requisitos biológicos e técnicos,
sugiro que releia o texto de Antropologia Forense que temos aqui no nosso Blog).
Então eu resolvi colocar uma pulga atrás da sua orelha, meu caro leitor. Vamos
de tendência! Tratamentos ortodônticos, lentes de contato dentais, facetas
laminadas, protocolos de implante... como será que fica a vida do Perito
Odontolegista para analisar uma mordedura nessas condições? Será que em um
futuro, nem tão distante assim, teremos ainda dentes com “características
individualizadoras incontroversas”?
Deixo
essa reflexão pra vocês.
Você precisa saber:
- A marca dos caninos
provocadas pela mordida de uma criança é MENOR que 3cm! A de um adulto varia de
2,5 – 4,5 cm.
- O modus operandi
do famoso “Maníaco do Parque” incluía morder suas vítimas. O confronto das
arcadas foi realizado a partir modelo obtido das mordeduras encontradas nas
vítimas com o sorriso do agressor obtido através de um vídeo dele patinando - o
mesmo se encontrava foragido. Galerinha, tem matéria da investigação disponível
na 1ª Temporada da série Investigação Criminal na Amazon Vídeo!
Até a próxima!
Isis Teixeira
REFERÊNCIAS:
DARUGE, Eduardo. Tratado
de odontologia legal e deontologia. Grupo Gen-Livraria Santos Editora, 2017.
FRANCO, A. Unique or not
unique? That is the question!–opinion article on a bitemark scope. RBOL-Revista
Brasileira de Odontologia Legal, v. 2, n. 2, 2015.
VANRELL J. P. Odontologia
Legal e Antropologia Forense. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2019.
Cap.10, p.66 - 69