Provavelmente, você que tá começando a ler essa postagem, deve ter alguma história pra contar de algum episódio em que “perderam a cabeça” e te repreenderam com a famosa palmada.
No Brasil – e não só aqui, em outras culturas também – por muito tempo, foi natural e aceitável a prática da agressão em crianças e adolescentes como forma de educar e corrigir comportamentos que não seriam admitidos pelos seus pais ou responsáveis.
Em 1989, a partir da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, o governo brasileiro comprometeu-se com a Organização das Nações Unidas em elaborar uma lei específica de proteção à criança e ao adolescente. Até então, seus direitos estavam assegurados, de forma mais ampla, pela Constituição Federal, que já previa o crime de tortura ou castigo. Foi aí que em 1990 se instituiu a lei 8.069, nomeada como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como um conjunto de normas que objetiva a proteção integral do menor.
Ainda que já apresentasse normativas (aparentemente) suficientes que prezassem pelo direito à educação e à convivência harmoniosa da criança e do adolescente, em 2014 o ECA tem parte de seu texto alterado pela lei 13.010, a “lei da palmada” ou “lei do menino Bernardo”, como também ficou conhecida.
Pausa pra eu explicar como o menino Bernardo “entrou no meio”. O caso Bernardo aconteceu em abril de 2014 e foi amplamente divulgado pela mídia. Ele se refere à criança de 10 anos que sofreu diversos episódios de agressão, pelo pai e pela madrasta. Bernardo foi assassinado por superdosagem de medicamento sedativo administrado por ela. Então, o projeto de lei que foi proposto em 2006 e já vinha sendo discutido, acabou ganhando maior repercussão e, em junho de 2014 (dois meses após a fatídica morte do menino), foi aprovado em senado e sancionado pela presidência.
A lei 13.010/14 estabelece “o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante”, segundo ela, considera-se:
“I – castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em:
a) sofrimento físico; ou
b) lesão;
II - tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que:
a) humilhe; ou
b) ameace gravemente; ou
c) ridicularize”. (BRASIL, 2014)
Aí é que a gente encontra diversas opiniões que se dividem. Até que ponto o Estado pode/deve interferir nas relações familiares? Onde está o limite entre o que se considera “punição educativa” ou “violência doméstica”?
E muitas falas vão surgindo: “eu apanhei a vida toda e tô viva”, essa é bem frequente e aproveito pra compartilhar aqui uma reflexão que vi outro dia nas redes sociais: “mas a gente tá evoluindo pra criar gente ou sobrevivente?”.
Infelizmente, casos como o de Bernardo ainda são frequentes, a exemplo do mais recente caso do menino Henry (que está, inclusive, sendo bastante comentado lá no nosso instagram). Por eles, e por outros que não ganham os holofotes da mídia, é que a lei é necessária. Sozinhas não são a solução, mas acabam sendo um caminho na tentativa de frear atos que venham a ferir tão gravemente o direito alheio.
Ah! Respondendo àquelas questões que levantei acima: a partir da 13.010/14 nenhum tipo de agressão contra o menor é tolerada, ainda que com a justificativa (falha) de medida educativa, e “aqueles que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, às seguintes medidas”:
“I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;
II - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
III - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
IV - obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado;
V – advertência”. (BRASIL, 2014)
Tainá Falcão
Nenhum comentário:
Postar um comentário